STJ: Vara de VG não tem competência para julgar saúde pública

Decisão colegiada foi proferida em um recurso de um idoso representado pela Defensoria Pública

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a Vara Especializada em Saúde Pública de Mato Grosso não tem competência para julgar e processar as demandas que envolvam ações civis pública, idosos, criança e adolescente ou qualquer consumidor e que tenham o Estado como parte.

 

A decisão colegiada foi proferida em um recurso de um idoso hipossuficiente, representado pela Defensoria Pública de Mato Grosso e reforma acórdão do Tribunal de Justiça (TJMT), que havia mantido a competência da vara para processar uma ação de obrigação de fazer com tutela de urgência, para concessão de medicamento de uso contínuo.

 

A Vara Especializada surgiu a partir da Resolução nº 09/2019, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), que determinou a sua competência absoluta para processar e julgar, exclusivamente, todos os feitos relativos à saúde pública, incluindo as ações de competência do Juizado Especial da Fazenda Pública relativos à saúde pública, em que figure como parte o Estado de Mato Grosso.

 

Embora a decisão tenha efeito apenas no referido caso, ela abre precedentes e pode refletir em outras demandas, já que milhares processos de saúde pública tramitam na referida Vara Especializada.

 

Criação afronta à legislação

 

Após ter o pedido negado no TJMT, o idoso recorreu ao STJ, alegando que a ação inicialmente foi protocolada no Juizado Especial Cível e Criminal de Sinop. Porém, após a resolução do Órgão Especial, o caso foi declinado para a 1ª Vara Especializada da Fazenda Pública – a Vara de Saúde Pública de Mato Grosso –, localizada a 500km de distância do local onde reside.

 

Ele alegou que a norma do TJMT o impediu de escolher o local de defesa de seu direito, violando a legislação federal ao estabelecer que as ações de saúde em desfavor do Estado só podem tramitar na Comarca de Várzea Grande.

 

O ministro Herman Benjamin, relator do recurso, reconheceu, ao longo de seu voto, a relevância e os benefícios decorrentes da especialização de varas judiciárias. Contudo, no referido caso, a alteração da competência para cidade distante do domicílio da parte requerente, traz evidente prejuízo ao idoso.

 

“A alteração da competência para comarca distante do domicílio do autor-vítima vulnerável ou hipossuficiente traz, sim, indisputável prejuízo, ainda que o processo judicial seja eletrônico, haja vista os demandantes nem sempre disporem de computador e internet. Além disso, a distância geográfica pode comprometer a produção de provas pelo jurisdicionado, o contato com seu advogado, etc”.

 

Além disso, pontuou que a resolução do TJMT “choca-se frontalmente” com o que é estabelecido na Lei de Ação Civil Pública, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso e com o Código de Defesa do Consumidor, que preveem que as propostas devem tramitar no foro onde a parte interessada reside.

 

“Nesses quatro dispositivos, fica patente a ratio legislativa de antepor, à frente de qualquer outra consideração, a facilitação, na perspectiva da vítima, da tutela dos interesses individuais e metatindividuais de sujeitos vulneráveis ou hipossuficientes. Destarte, vedado, aqui, rompante de flexibilização administrativa judiciária, pois se está diante, reitere-se, ora de competência absoluta, ora de competência concorrente à conveniência do autor”.

 

“Como instituição, o Estado está presente e atua em todo o seu território – ubiquidade territorial; o cidadão, ao contrário, propende a se vincular a espaço confinado, ordinariamente o local onde reside e trabalha – constrição territorial. Logo, se ato normativo secundário do tribunal cria prerrogativa de foro ao ente público e altera padrões de competência prescritos por lei federal, ofendido se queda o esquema normativo imperturbável de organização do aparelho judiciário, gravidade acentuada se o rearranjo acarretar grave e desarrazoado desmantelamento da deferência que o próprio legislador se encarregou de conferir, como mandamento de ordem pública, aos sujeitos vulneráveis ou hipossuficientes e aos titulares ou representantes de certos bens e valores considerados de altíssima distinção na arquitetura do Estado Social de Direito”, completou o ministro-relator.

 

Para concluir seu entendimento, ele citou a jurisprudência do STJ, de que os Estados e suas entidades autárquicas e empresas públicas podem ser demandados em qualquer comarca do seu território, não gozando de foro privilegiado.

 

“Portanto, patente que a Resolução 9/2019, ao atribuir à 1ª Vara Especializada de Fazenda Pública de Várzea Grande o julgamento de todas as pretensões relacionadas à saúde pública em que seja parte o Estado de Mato Grosso, mesmo que veiculadas em Ação Civil Pública ou que digam respeito à infância e adolescência, idosos e consumidores, afronta as regras de competência previstas no CPC/2015 e na legislação federal especial, razão pela qual merece reforma o acórdão recorrido, ficando, assim, restabelecida a competência do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Sinop/MT para decidir a ação de que trata o presente recurso”.

Ele foi seguido pelos ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão.

Fonte: Ponto na Curva

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