Com seus 305 anos de existência, a capital de Mato Grosso teve sua história marcada pelo pioneirismo em algumas matérias jurídicas, como direitos de escravos, e também pela perspectiva do quanto o direito das crianças e das mulheres avançou.
Um dos casos mais marcantes, que consta no Arquivo do Fórum de Cuiabá, foi da escrava Balbina, “preta”, que aos 34 anos de idade obteve a liberdade na Província de Mato Grosso, cerca de 10 anos antes da princesa Isabel assinar a Lei Áurea. Balbina e outros quatro escravos foram declarados livres em 1878.
Antônio (26 anos), Balbina (34 anos), Benedicta (30 anos), Epifania (21 anos) e Francelina (22 anos), eram considerados posse de Manoel José Moreira da Silva. Após a morte de Manoel um de seus filhos, João José Moreira da Silva, concedeu liberdade por disposição testamentária ao grupo de escravos.
Já em 1889, um ano depois da assinatura da Lei Áurea, outro caso interessante foi narrado judicialmente. Totalmente escrito à mão, o autor Antônio Gomes Xavier Moreira solicitava que fosse nomeado um tutor, para promover a educação da menor Angélica, de 14 anos, filha de uma escrava liberta chamada Narcisa.
O caso foi analisado pelo Juízo de Orphaos da Comarca de Cuiabá. O pedido foi feito em 8 de julho de 1889 e o tutor foi nomeado 3 meses depois, em 26 de outubro de 1889, demonstrando talvez o início de uma revolução social, por meio da qual os filhos de escravos, passaram a ter direito a educação formal.
Anos antes da Constituição Federal de 1988 e antes da lei nº 8.069, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 13 de junho de 1990, na capital de Mato Grosso já se via decisões contra o trabalho infantil. Consta em um processo de 1969 o pedido de um pai, para que seu filho de 11 anos fosse autorizado a trabalhar.
O pai M.F.S., um lavrador queria que o filho, que estudava na 4ª série do ensino primário no período da manhã, em uma escola em Cuiabá, pudesse, após o almoço, trabalhar como engraxate das 13h às 20h. O pedido acabou sendo negado com base na Constituição Federal vigente na época, que não permitia o trabalho de menores de 12 anos.
Cuiabá também registrou um caso marcante relacionado ao Direito da Família no ano de 1982, que demonstra o quanto o direito evoluiu. Um homem casado gerou um filho com uma amante e registrou a criança. Isso causou um “desequilíbrio em seu lar” e ele entrou com uma ação e conseguiu, na Justiça, ter seu nome retirado do registro do menino. Naquela época, imperava ainda a necessidade de preservação do núcleo familiar.
Na audiência de instrução, realizada em 15 de fevereiro de 1982, o homem tentou manchar a reputação da amante, dizendo que ela seria “mulher solteira, e ora está com um homem, ora com outro, sendo que tem três filhos de três pais diferentes, e que no momento está grávida de outro homem”. O promotor de Justiça do caso defendeu a retificação da certidão considerando que o pai, “coagido pela sua amante ou no auge da paixão proibida, efetuou o registro de seu filho adulterino”. Seguindo a legislação vigente, o parecer foi acolhido pela Justiça.
No ano de 1941 outra mulher foi humilhada em um processo, para provar sua virgindade ao se casar com um comerciante de Cuiabá. O casamento ocorreu no dia 27 de junho de 1941 e, no dia seguinte, a jovem foi devolvida à própria mãe pelo marido, sob a acusação de que não teria se casado virgem.
O homem alegou ter sido enganado durante todo o período de noivado, pois a noiva teria ocultado “a sua prometida tão grave falta – a mácula de sua desonra”. A mulher teve que passar por dois exames, a pedido do marido, sendo um deles realizado pelos médicos Agrícola Paes de Barros e Antonio de Pinho Maciel Epaminondas. A perícia apontou que o ‘desvirginamento’ seria recente, com menos de 8 dias, e que seria possível que a jovem tivesse tido sua primeira relação sexual exatamente no dia do casamento.
Em 11 de agosto de 1941, menos de dois meses após a ação ter sido ajuizada, o advogado do comerciante apresentou uma petição desistindo da ação ordinária de anulação de casamento. Ele explicou que o homem teria se reconciliado com a esposa.
Casos como estes refletem como a história de Cuiabá se integra com a evolução de nosso país. Por quase metade de sua existência a capital contou com o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que neste ano completa 150 anos. Quando inaugurado em 1º de maio de 1874, durante governo de Dom Pedro II, era chamado de Tribunal da Relação da Província de Mato Grosso. O primeiro presidente do órgão foi o desembargador Ângelo Francisco Ramos, nomeado pelo próprio imperador.